domingo, dezembro 24, 2006

Passa (ficando)

E ele passa por nós, assim como quem não quer a coisa, e simplesmente solta aquela doce e estridente gargalhada que sempre fomos habituados a ouvir. Passa pelo tempo, por sitíos, situações, passa por histórias, passa de boca em boca. Passa na avenida, passa na garagem, passa na quinta, passa pelos "cãezinhos" acariciando-os em tom de companheirismo no cachaço, passa pela "chatinha",passa nas corridas, passa assim, por nós. Sempre a sorrir, sempre a brincar,mas acima de tudo, sempre connosco.

sexta-feira, novembro 24, 2006

Isso de desistir não é ser fraco, não é fragilidade nem sequer inocência. Isso de desistir é uma extrema carência de iniciativa, de vontade de agir e transformar o que pensamos estar errado. Se não fazemos algo e justificamos a nós mesmos, ou aos outros, que é por falta de força ou porque não é boa altura, ou por outra razão qualquer que nesse momento parece apropriada para desculpar a nossa incompetência, então é porque não queremos essa coisa assim tanto como julgamos querer. É nesse preciso instante que nos apercebemos até que ponto algo nos faz mover, até que ponto algo ou alguém consegue fazer-nos seguir o nosso coração não pensando nas consequências. Não digo que desistir seja negativo, é simplesmente uma maneira de percebermos se os nossos objectivos são mesmo só nossos (fruto de desejos, ambições, paixões que fazem parte do nosso ser) ou se são apenas uma resultante de influências exteriores.
E se algumas pessoas têm maior força de vontade que outras, então é porque algumas aprenderam a estabelecer melhor as suas metas, apercebendo-se do que realmente desejam mais rapidamente.
O que digo não é para me mostrar superior ou dizer que as pessoas devem ter força, que devem lutar pelo que querem e se não lutam é porque afinal os seus objectivos não são dignos de luta. O que digo, digo-o porque vejo demasiadas pessoas (inclusivamente, eu) a desistirem do que querem e a justificarem-no com falsas desculpas que até podem parecer credíveis mas que afinal não têm nenhuma razão de ser, porque o querer algo apaixonadamente, transporta todo o empenho e iniciativa necessários à realização de determinado objectivo.
Aquilo que gostamos verdadeiramente acabamos sempre por tentar alcançar, é inevitável, é algo que nos ultrapassa. Por isso se não fazes mais do que aquilo que podes, se não te moves para alcançar o que anseias, se não gritas bem alto a tua paixão será que estás, mesmo, a seguir o que queres?

sábado, novembro 18, 2006

E prometo não voltar a ser quem fui, sinto-me crente da realidade que me rodeia insistentemente, juro não voltar e cair no erro de olhar para trás. No erro de desviar o olhar por instantes e perceber que o passado continua lá, à minha espera, à espera de ser relembrado, repensado, revivido. A maldição dos três "r's": o remédio é nunca olhar para trás. Mesmo quando as incertezas atormentam e o presente parece instável, nunca olhar para trás.

E sinto aquele friozinho nas costas, o calor do teu sussuro e tropeço na realidade, outra vez...

domingo, novembro 12, 2006


Sorriam, festejavam, dançavam, choravam, angustiavam, perdiam, reaviam, acariciavam, amavam, beijavam, tocavam, queriam, rejeitavam, ambicionavam, desistiam…viviam, como nós. Numa outra época, rodeados de outras vestimentas, de outras modas, de outras tradições, de outras mentalidades, de outras importâncias, mas acima de tudo viviam, sentiam com a mesma intensidade que nós hoje sentimos tudo aquilo pelo que passamos. Perdiam-se na luxúria, na ostentação, entregavam-se a palácios, roupas, pedras preciosas. Ansiavam um futuro melhor, desejavam alcançar o inalcançável, choravam quando tudo parecia perdido, sorriam quando amanhecia, coravam quando os olhares se cruzavam, angustiavam quando sentiam o peso das suas acções, fechavam os olhos para sentir a brisa suave, sorrindo inocentemente para o vazio…
O tempo passa mas a emoção, o sentimento, o desejo de viver, permanecem uma ambição sempre nossa de querer cada vez mais apaixonarmo-nos por tudo, vivendo assim…intensamente.

terça-feira, novembro 07, 2006

equilíbrio

E pronto, simplesmente sorrimos. Porque como continuo a dizer a mim mesma, persistentemente, se algo corre mal, então é porque uma boa fase se avizinha ou vice-versa… o universo foi feito para ser assim: equilibrado. Quando tudo parece perdido, aparece algo para nos abrir os olhos e mostrar que podemos voltar a sorrir…outras vezes, quando tudo parece estar a correr da melhor maneira possível, acontece algo que nos desanima, que nos deita abaixo. A vida é assim, feita de coisas boas e coisas más…até porque se não houvesse coisas más como nos poderíamos deliciar com os acontecimentos óptimos, surpreendentes?
Mas melhores tempos vêem, e afinal conseguimos voltar a sentir aquele apego à vida, aquela emoção, aquela felicidade...fragmentos de coisas boas que julgávamos ter perdido há muito. Voltamos a tentar atingir o céu ou então caímos na realidade de que afinal a vida é mesmo apaixonante, é só preciso saber viver.


“Acho que só para ouvir passar o vento, vale a pena ter nascido”

Alberto Caeiro

sexta-feira, outubro 27, 2006

Não tenhas pena de ti, não deixes que nada te passe ao lado. Não te deixes abater pelos acontecimentos imprevistos que se sucedem: vive o bem intensamente e o mal, vive-o como se fosse bem da melhor forma que puderes. Nem sempre o sorriso é o mais sincero, ou as palavras as mais doces, ou o olhar o mais profundo. Mas a intenção é sempre a mesma e é essa que pode transformar um inocente disfarce na mais doce das realidades.

domingo, outubro 15, 2006

viver

E viver. Só viver. aproveitar cada ínfimo pormenor duma vida que às vezes parece tão fria, injusta, triste. Aproveitar o mal e transformá-lo em bem apenas com um sorriso disfarçado que acaba por se abrir por vontade própria. E espalhar este sorriso sincero, convencendo meio mundo que a felicidade está mesmo perto de nós, só é preciso haver iniciativa. Iniciativa para fazer, mover, correr, espreitar, abrir os braços ao inesperado, de olhos fechados e alma aberta, confiando na intuição... confiando naquele brilhar do momento que nos faz acreditar convictamente que tudo vai mudar, é só querer.


"E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz"

de "Alberto Caeiro"

segunda-feira, outubro 02, 2006

E é assim, o vazio. Nem felicidade, nem tristeza, nem euforia, nem amargura… Simplesmente o nada…que preenche o nosso todo. E por momentos, é como se não fossemos ninguém, é como se abandonássemos qualquer tipo de sensação para nos entregarmos por breves instantes ao nada. Não pensar, não querer, não sentir, não desejar, não ficar, não ir, não pedir, não esperar, não chorar, não sorrir, não magoar…não enlouquecer. Não ficar preso a importâncias ou banalidades, não ter de ser nada por instantes. Não ser obrigado a viver, a sentir tudo tão intensamente.
E então, o vazio instala-se. Não há nada. Apenas o respirar e o mover robótico, mais nada. Nem o frio ou o quente, nem o bom ou o mau. Apenas o olhar distante, frio e a expressão tranquila de um corpo desabitado. As mãos tremem nervosas, ansiando por qualquer reacção ao meio exterior, as lágrimas caem desejando chorar, o sorriso abre-se, nervoso esperando por rir sem medo.
Nada. O acordar de olhos fechados, o andar sem mover os membros, o tocar sem sentir a pele, o sorrir de lábios cerrados, o chorar de lágrimas secas. O escape do sofrimento e para o sofrimento. A saída que, afinal, não tem retorno. O vazio.

domingo, outubro 01, 2006

Antes de procurares a felicidade nos outros, procura-a em ti.
É isso mesmo. Não deixes essa responsabilidade a outrem. Tudo isto porque se só te sentires bem numa felicidade conjunta, nunca admitirás a possibilidade de um equilíbrio interior a sós. Um equilíbrio contigo mesmo, com o que te rodeia, é o passo essencial para respirar fundo e sorrir.
Agora que penso, não é uma tarefa fácil essa de nos fazermos felizes. Achamos que os outros têm uma capacidade superior para o fazer e por isso desistimos de tentarmos estar bem com nós mesmos. Desistimos de nos avaliar, de nos auto-criticar, porque é mais fácil que outra pessoa o faça; mas, na verdade, penso que temos mais em conta a nossa opinião do que a dos outros, o problema é que não nos damos ao trabalho de a elaborar. Porque é que deixamos cada vez mais de nos querer conhecer? Todos os nossos limites, opiniões, esperanças, medos…Será que sabemos do que somos capazes? E como é possível querermos dar-nos bem com outra pessoa, conhece-la a fundo, criar laços, quando sabemos que não nos podemos expandir quando falamos da nossa vida, quando falamos de quem realmente somos?
E é uma aventura ainda maior conheceres-te a ti, mais do que a qualquer outra pessoa. Pensas que sabes o que queres, os teus objectivos e sonhos e afinal nada é como parece e tudo muda. Transformas-te por completo ou, por outro lado, permaneces como sempre foste (só que só agora o descobriste).
É difícil entrares em paz contigo mesmo, é difícil amadurecer. No fundo, é isso mesmo que é: amadurecer. Saberes quem és, porque já viveste, experimentaste. Já erraste, já tentaste remediar os teus erros mas, acima de tudo, já aprendeste com eles. Acima de tudo, já sabes que passo dar. Todavia, e pensando bem, é bom esse processo de errar. Está tudo em aberto e não sabes o que poderá, eventualmente acontecer. Podes-te desiludir com o que fazes, podes sentir amargo arrependimento, carregar com o peso das consequências…mas também podes sentir orgulho, felicidade e uma extrema ambição de começar tudo de novo, porque agora sim, podes ir mais longe, já conheces um pouco mais de ti.

segunda-feira, setembro 04, 2006

É verdade. As pessoas mudam. Os sentimentos, as opiniões, as perspectivas, tudo se altera seja por obra do acaso ou pela nossa própria vontade que muitas vezes vai contra as leis da razão. Nada é permanente e inalterável e é isso que nos magoa: a falta de segurança, a falta de saber que algo permanecerá sempre (em qualquer circunstância) do nosso lado. E é assim que nos apegamos às coisas, que criamos raízes, que mergulhamos na nostalgia. É um vago sentimento de saudade do passado mas acima de tudo é uma vontade imensa de um presente estável e de um futuro garantido. Precisamos de dizer que algo é “nosso”, necessitamos de admitir que temos provas concretas que nos ligam a alguma coisa, que nos definem de alguma maneira. Chamam-lhe sentimento de pertença, eu digo que é pura ingenuidade. Como se algo pudesse ser realmente nosso… Nada nos pertence verdadeiramente (sejam coisas materiais, fictícias, irreais). Aliás, por muito irónico que pareça, algo só nos pertence quando temos a oportunidade de dar a alguém e, mesmo nesse momento, deixa de ser nosso para passar a ser, por tempo indefinido, algo sem dono e sem lugar, ansiando por ser presente, outra vez.
Agora compreendo porque é tão gratificante o acto de dar, de oferecer. Afinal, é nesse preciso instante, em que abdicamos de algo que é mesmo “nosso”. Damos uma parte de nós e apercebemo-nos que não somos ocos, porque para “dar” é preciso “ter”.

quarta-feira, julho 12, 2006

Falo de momentos porque são esses mesmos que merecem toda a atenção. Falo de pequenos instantes porque não é um ano na nossa vida que nos marca, não é uma época mas sim aquele sorriso, aquele toque, aquele preciso instante que por momentos, por breves momentos nos tocou a alma e nos fez sentir que tudo vale a pena. Falo de um beijo apaixonado, de um abraço amigo, de um sorriso envergonhado, de um olhar carinhoso. Falo de algo que nos pode curar a alma, afogar o espírito triste na doce alegria…Falo de ver a série favorita enterrada no sofá a beber chá gelado, falo de passear na rua quando chove levemente, falo de sentir o cheiro da relva acabada de cortar, falo de passear à beira mar quando o sol se põe. Mas acima de tudo, falo de viver, cada segundo, com incrível paixão como se não tivéssemos conhecimento que as coisas más também existem.

domingo, julho 02, 2006



Cheira a ti. Cada vez mais cheira a ti. Não sei se é doce ou amargo, se é agradável ou muito forte, mas faz-me lembrar da tua essência como pessoa, e é isso que realmente importa. De facto, é principalmente o cheiro que me persegue. Ficou entranhado na minha casa, nas minhas roupas, em mim, no meu pensamento… Li no outro dia numa revista que o cheiro é o sentido que mais faz relembrar pessoas, situações, coisas. Nesse preciso momento comecei a sentir o teu perfume e até senti a tua mão a tocar na minha várias vezes durante o dia.
Quando é de noite, quando vou para a cama é pior. Sempre ouvi dizer, desde pequena, que a noite é má conselheira. Concordo, sem dúvida alguma. Acontece como se fosse uma premonição, quando me deito na cama, já sei o que vai acontecer e, apesar da previsão não me agradar de todo, não faço nada para evitar que se suceda. Encosto devagar a cabeça à almofada e começo a sentir todos os meus sentidos alerta. Fecho os olhos, acolho os lençóis para bem perto de mim e espero por algo, não sei bem o quê. Estás aqui, tenho a certeza. O teu fantasma, o teu nada, o meu todo. A mágoa nasce bem fundo do coração, e o vazio instala-se, como se o corpo se limitasse a uma caixa oca, repleta de ar. Quero poder gritar, afastar todas essas crenças recém-chegadas que nunca me convenceram. Mas, na verdade nada faço para que a nostalgia do teu ser me abrace com força. O teu cheiro persegue-me. De dia, de noite, em casa, na rua, no metro, em qualquer lugar. Já tentei mudar de perfume, já tentei mudar o aroma. Mas o odor da tua pele, o cheiro da tua alma, a essência do teu ser, é demasiado forte, ficou presa a mim…habita debaixo da minha pele, muito mais além do meu ser, bem abrigada no meu espírito.

sábado, julho 01, 2006

Se te dói a alma, aproveita. Se o mundo parece não ter sentido, contempla o facto como se fosses um mero espectador. Se as palavras se desfazem, se o simples toque te amargura, se as imagens, as cores, os sons habitam dentro de ti, se a única razão pela qual te comprometeste a viver, desvanece pelo vazio, guarda tudo bem dentro de ti como se pensasses que consegues suportar. Cria a ilusão da força, mascara-te de guerreiro, pega no que não tens e usa a tua fraqueza, a tua cobardia. Tudo porque chegará o dia em que, não ficarás feliz pelo que fizeste, mas simplesmente, aliviado.

quinta-feira, junho 22, 2006

Por mais que tentes dar-lhe razão, expô-la ao espelho, completamente nua de qualquer disfarce que possa iludir, nunca conseguirás prever o que dela virá, porque não és diferente; afinal nunca ninguém conseguiu. Sim, é verdade, precisamos de descobrir o mistério para acabar com todas essas noites mal dormidas, com as divagações, com o choro imprevisível que mal pára de escorrer pela tua face descrente de coisa alguma. Os passos em falso, a tristeza de perder e a euforia de alcançar com que objectivo? Os abraços sentidos, o beijar profundo ou mesmo o apertar de mão solene para provocar essa coisa a que chamamos emoção que nos toca bem mais além que na pele, que no corpo…afinal com que meta? Todos esses momentos que formam uma espécie de curta-metragem, servem afinal para quê? Para o infeliz descontentamento de uns ou para a secreta alegria de outros?
Por vezes é assim, deixamo-nos de concentrar na rotina enfadonha para nos preocuparmos com o que afinal sabemos que nunca vamos descobrir. É desesperante… conseguimos, como grande e incrível gesto, atracar na Lua, quando nem sequer sabemos o motivo da nossa estadia na Terra.
Pronto, já chega, é melhor apagar a luz.

terça-feira, junho 13, 2006

A pedido de uma querida roommate, aqui vai um texto já há muito publicado no "céu dos múrmurios"...

No outro dia deixaram uma questão numa série que estava a ver, descontraidamente. Uma questão simples, mas bastante oportuna. Quando duas pessoas se amam, e por uma razão qualquer se separam, para onde vai esse amor, afecto essa paixão tão forte antes sentida? Parece estúpido, mas passo a explicar. Quando há amor numa relação e depois, devido a problemas há separação, será que o amor antes oferecido se pode tornar numa simpática amizade? E se, se conhecer alguém interessante posteriormente, será o amor oferecido sempre o mesmo? Será do género reciclagem, a única coisa que muda é o lixo, o objectivo é sempre o mesmo, renovar. Será no amor a mesma coisa? As pessoas mudam, mas o objectivo é sempre amar? É triste, muito triste pensar assim. O amor não é mais que a oferta do mesmo, da mesma maneira, só que a indivíduos diferentes. Não é o amor algo superior, especial, algo que se inventa espontaneamente a cada dia que passa.
Continuo a ter aquela ideia de infantil, ingénua, de contos de fadas, de que viverão “felizes para sempre”, uma visão estupidamente demasiado romântica, eu sei. Mas o realismo que se abate sobre nós no dia-a-dia assusta-me. Prefiro viver no meu filme encantado em que há princesas em apuros, dragões ferozes e príncipes corajosos (mesmo que isso às vezes possa magoar…)
O amor é como um sonho, se acreditarmos, se o desejarmos muito, pode vir a realizar-se, a acontecer. E quando entramos no sonho que é o amor, nada devemos fazer quando nos tentarem perturbar e acordar. Um sonho só é mesmo bom, quando é vivido até ao fim. Contínuo a ser uma romântica incurável (e é com alguma vergonha que o admito). Talvez porque conheci o amor. Talvez porque ele me abraçou com toda a sua força. Talvez porque já não queira acordar.

quarta-feira, maio 24, 2006

Sentaram-se na mesma mesa e por estranho que pareça, não notaram a presença um do outro. Apesar da jarra preenchida de flores de cores fortes que prendiam o olhar de qualquer pessoa, estar colocada no centro da mesa, implorando por atenção, a distracção de ambos parecia ignorar cruelmente todo e qualquer acontecimento.
Eram os cheiros, as cores, as imagens perdidas que o entristeciam. A saudade da história, do passado que antes parecia tão aborrecido e desnecessário e que agora mais do que nunca lhe enchia o peito de forte patriotismo. Os percursos feitos durante o dia, as saídas à noite com os amigos, pelas ruas estreitas, repletas de animação, os almoços aos domingos à tarde com os pais… Todas as situações que por muito rotineiras que fossem, lhe sabiam bem. Até aquele miserável trabalho, até desse sentia falta. Era saudade de uma vida mas, acima de tudo, de um país. As ruas estreitas, a brisa marinha, suave, as conversas de rua banais, partilhadas pelos membros mais ancestrais da comunidade. A sombra carinhosa das árvores imponentes, de raiz forte, decidida. O cheiro da gastronomia regional, deliciosa. As pessoas ocasionalmente simpáticas, e finalmente um sentimento permanente de um grande amor a uma Nação, a um local, a uma comunidade.
Talvez para expulsar os males que residiam dentro de si, suspirou fundo. Tão fundo que esteve perto de acordar a rapariga de faces dramáticas que concentrava a atenção em si mesma. Em mais ninguém.
Caía uma lágrima e, de agora em diante, não haveria nada a fazer: muitas cairiam em tom de solidariedade. Parecia uma bonequinha de porcelana. O rosto esbranquiçado, solene, brilhava e os olhos claros, inocentes, transmitiam a fragilidade digna de uma boneca que qualquer contacto com o chão poderia anunciar o seu fim.
Cartas de amor, promessas, juras, noites passadas, abraçados a vislumbrar a lua de luz branca sobreposta num manto negro. Agora, tudo o que restava, eram essas fortes lembranças e o anel de noivado que prometia algo que muito dificilmente aconteceria.
Abria a mala com uma mão e tentava enxugar as lágrimas que corriam, desesperadas, com a outra. Tirou uma pequena bolsa de tons de bordô e lá residia todo o conforto (abraçado pela saudade de dias bem mais felizes…). Eram fotos que aqueciam a alma solitária, eram cartas que gravavam palavras doces no coração, eram pequenas lembranças que traziam quase que por magia toda uma vida percorrida com ele, ali perto. Torna-se muito difícil para alguém simplesmente esquecer tudo quando a história tem um final não só infeliz como também mal contado. E é assim que surgem pensamentos duvidosos, divagações assustadoras que mantêm alerta o mais calmo dos espíritos.
Mais do que ninguém, ela acreditava na sua presença óbvia, na existência permanente do seu sorriso sereno, do olhar passivo, dos traços simples mas lindos. Mas, além dessa imagem, meramente física, que a acompanhava, eram as características interiores, aquilo a que chamam alma, espírito, que a abraçavam constantemente. Sorria devagar e acariciava o anel com que abraçando apaixonada, o seu amado.
Um som estridente fez despertar os dois personagens que rapidamente se entreolharam e que, passado poucos segundos, fixaram os olhos um no outro. Há momentos em que parece que o tempo pára para nos fazer notar algo que por nossa egoísta distracção, fica fora do nosso alcance. Foi o que aconteceu ali. Uma rajada de vento repentina fez com que a jarra se partisse mesmo no meio do chão e a rapariga frágil, inocente, atormentada pelo passado ficou perplexa a olhar para o homem, de feições brutas, barba por fazer e que no entanto transmitia através do olhar, a doçura duma alma perdida, amargurada.
Ficaram assim. A vislumbrar as dores, a nostalgia, o passado um do outro sem que tivesse havido uma única palavra entre eles. O olhar chegava para aquelas duas pessoas, concentradas nos seus problemas, pudessem partilhar e repartir a experiência que se assemelhava. Ele sentia a falta duma sociedade, de um sítio, de uma Nação. Ela chorava de amores por um passado atribulado. A paixão era diferente. O amor era o mesmo.
Beijaram-se com o olhar, olharam-se com um sorriso e por fim afastaram-se, seguindo rumos opostos. Um momento pode ser crucial, um encontro pode mudar tudo por completo. Não acredito no destino. O acaso é fundamental.

sábado, maio 20, 2006

E é assim. Acompanham-nos, fazem-nos rir incessantemente, é com eles que choramos, é com eles que passamos os melhores e os piores momentos da nossa vida. Estão lá quando mais precisamos, para nos dar uma palavrinha ternurenta ou de pura estupidez na tentativa de ver um simples esboço do nosso sorriso. Estão lá quando estamos mesmo à beira do abismo, a passar todos os limites, a deitar fora tudo o que já alguma vez construímos para nos agarrarem violentamente e dizerem em tom de repreensão: “Ei, que é que pensas que ‘tás a fazer?” Mas também há momentos bons, de completa euforia ou apaziguante felicidade para nos simplesmente olharem, sem dizer nada, porque tudo é sentido demasiado intensamente para as meras palavras poderem sequer tentar explicar. São o nosso norte, o sentido das nossas vidas, são uma parte de nós. Vêem connosco para todo lado, ou estão longe com saudade no coração mas estão sempre, sempre presentes. Já nos questionámos como é vida, o que significa… já nos perguntámos se o universo é infinito… já nos intrigámos com a vida deste ou daquele… já sorrimos perante as nossas aventuras… já gozámos, já saltámos, já abraçámos, já sorrimos, já partilhámos uma série de emoções conjuntas que por muito que o tempo passe, por muitos anos que se dissipem, nunca vão desaparecer… antes disso vão ser sempre relembrados com extrema doçura… “iiiih… lembras-te daquela vez??"

terça-feira, maio 16, 2006

Bem mais que um filme: uma dura descrição da realidade adoçicada por momentos tocantes; uma série de momentos tanto perturbadores como emocionantes que nos transportam por completo para dentro das cenas; uma colectânea de excelentes actores que fazem deste filme, um extracto da realidade, um pedaço das nossas vidas.
Pessoas como nós. Que riem, que choram, que erram...e que tentam a todo custo pagar pelos seus erros, pelos estragos causados. Vemo-nos neste filme, identificamo-nos com cada pequena característica das personagens.
Para mim, todos os filmes têm uma mensagem. Este não é excepção: tocar a alma, desafiar o poder dos sentimentos, é meio caminho andado para a compreensão.

Vocês não detestam aquele quadro em que um homem está de costas a olhar para um espelho e em vez de se ver a sua cara reflectida, vê-se as suas costas?? Não me perguntem porquê mas acho que tem qualquer coisa de sinistro...Aliás, pensando bem, até acho que consigo entender porque é que me mete um certo "medo". É aquela técnica clássica dos filmes de terror: quando algo que estamos habituados a ver no nosso dia-a-dia (neste caso o nosso reflexo no espelho) se transforma completamente. Há ainda uma explicação mais filosófica para este medo: o não reconhecimento do nosso próprio ser...será que nos conhecemos por completo, a nós mesmos? Tudo o que somos capazes, os nossos desejos? hmm..esta foi profunda!!! Mas as respotas ficam para outro dia... Este quadro é tal como aquele filme: "o porquinho Babe". Ainda agora me mete impressão. Esse filme devia ter bolinha.
E nasceu o blog. Mais do que nunca fundado na esperança, banhado de alegria, respingado de sorrisos. Os pensamentos, tormentos e ilusões todos eles diluídos nas palavras, que passam tudo com outra intensidade. Já pensaram que as palavras não impõem limites? Baseiam-se na rebeldia de deixar o leitor ter a sua interpretação da tese exposta ou então de lhe dar asas à imaginação e transportá-lo para outro mundo, concerteza melhor.
Podem descrever, podem dramatizar, transpor para o romantismo ou arrancar-nos da realidade, mas acima de tudo, estas (aparentemente) inocentes, frágeis palavras, devidamente encaminhadas do fundo do coração, podem mobilizar pessoas, até o mundo.