quarta-feira, maio 24, 2006

Sentaram-se na mesma mesa e por estranho que pareça, não notaram a presença um do outro. Apesar da jarra preenchida de flores de cores fortes que prendiam o olhar de qualquer pessoa, estar colocada no centro da mesa, implorando por atenção, a distracção de ambos parecia ignorar cruelmente todo e qualquer acontecimento.
Eram os cheiros, as cores, as imagens perdidas que o entristeciam. A saudade da história, do passado que antes parecia tão aborrecido e desnecessário e que agora mais do que nunca lhe enchia o peito de forte patriotismo. Os percursos feitos durante o dia, as saídas à noite com os amigos, pelas ruas estreitas, repletas de animação, os almoços aos domingos à tarde com os pais… Todas as situações que por muito rotineiras que fossem, lhe sabiam bem. Até aquele miserável trabalho, até desse sentia falta. Era saudade de uma vida mas, acima de tudo, de um país. As ruas estreitas, a brisa marinha, suave, as conversas de rua banais, partilhadas pelos membros mais ancestrais da comunidade. A sombra carinhosa das árvores imponentes, de raiz forte, decidida. O cheiro da gastronomia regional, deliciosa. As pessoas ocasionalmente simpáticas, e finalmente um sentimento permanente de um grande amor a uma Nação, a um local, a uma comunidade.
Talvez para expulsar os males que residiam dentro de si, suspirou fundo. Tão fundo que esteve perto de acordar a rapariga de faces dramáticas que concentrava a atenção em si mesma. Em mais ninguém.
Caía uma lágrima e, de agora em diante, não haveria nada a fazer: muitas cairiam em tom de solidariedade. Parecia uma bonequinha de porcelana. O rosto esbranquiçado, solene, brilhava e os olhos claros, inocentes, transmitiam a fragilidade digna de uma boneca que qualquer contacto com o chão poderia anunciar o seu fim.
Cartas de amor, promessas, juras, noites passadas, abraçados a vislumbrar a lua de luz branca sobreposta num manto negro. Agora, tudo o que restava, eram essas fortes lembranças e o anel de noivado que prometia algo que muito dificilmente aconteceria.
Abria a mala com uma mão e tentava enxugar as lágrimas que corriam, desesperadas, com a outra. Tirou uma pequena bolsa de tons de bordô e lá residia todo o conforto (abraçado pela saudade de dias bem mais felizes…). Eram fotos que aqueciam a alma solitária, eram cartas que gravavam palavras doces no coração, eram pequenas lembranças que traziam quase que por magia toda uma vida percorrida com ele, ali perto. Torna-se muito difícil para alguém simplesmente esquecer tudo quando a história tem um final não só infeliz como também mal contado. E é assim que surgem pensamentos duvidosos, divagações assustadoras que mantêm alerta o mais calmo dos espíritos.
Mais do que ninguém, ela acreditava na sua presença óbvia, na existência permanente do seu sorriso sereno, do olhar passivo, dos traços simples mas lindos. Mas, além dessa imagem, meramente física, que a acompanhava, eram as características interiores, aquilo a que chamam alma, espírito, que a abraçavam constantemente. Sorria devagar e acariciava o anel com que abraçando apaixonada, o seu amado.
Um som estridente fez despertar os dois personagens que rapidamente se entreolharam e que, passado poucos segundos, fixaram os olhos um no outro. Há momentos em que parece que o tempo pára para nos fazer notar algo que por nossa egoísta distracção, fica fora do nosso alcance. Foi o que aconteceu ali. Uma rajada de vento repentina fez com que a jarra se partisse mesmo no meio do chão e a rapariga frágil, inocente, atormentada pelo passado ficou perplexa a olhar para o homem, de feições brutas, barba por fazer e que no entanto transmitia através do olhar, a doçura duma alma perdida, amargurada.
Ficaram assim. A vislumbrar as dores, a nostalgia, o passado um do outro sem que tivesse havido uma única palavra entre eles. O olhar chegava para aquelas duas pessoas, concentradas nos seus problemas, pudessem partilhar e repartir a experiência que se assemelhava. Ele sentia a falta duma sociedade, de um sítio, de uma Nação. Ela chorava de amores por um passado atribulado. A paixão era diferente. O amor era o mesmo.
Beijaram-se com o olhar, olharam-se com um sorriso e por fim afastaram-se, seguindo rumos opostos. Um momento pode ser crucial, um encontro pode mudar tudo por completo. Não acredito no destino. O acaso é fundamental.

sábado, maio 20, 2006

E é assim. Acompanham-nos, fazem-nos rir incessantemente, é com eles que choramos, é com eles que passamos os melhores e os piores momentos da nossa vida. Estão lá quando mais precisamos, para nos dar uma palavrinha ternurenta ou de pura estupidez na tentativa de ver um simples esboço do nosso sorriso. Estão lá quando estamos mesmo à beira do abismo, a passar todos os limites, a deitar fora tudo o que já alguma vez construímos para nos agarrarem violentamente e dizerem em tom de repreensão: “Ei, que é que pensas que ‘tás a fazer?” Mas também há momentos bons, de completa euforia ou apaziguante felicidade para nos simplesmente olharem, sem dizer nada, porque tudo é sentido demasiado intensamente para as meras palavras poderem sequer tentar explicar. São o nosso norte, o sentido das nossas vidas, são uma parte de nós. Vêem connosco para todo lado, ou estão longe com saudade no coração mas estão sempre, sempre presentes. Já nos questionámos como é vida, o que significa… já nos perguntámos se o universo é infinito… já nos intrigámos com a vida deste ou daquele… já sorrimos perante as nossas aventuras… já gozámos, já saltámos, já abraçámos, já sorrimos, já partilhámos uma série de emoções conjuntas que por muito que o tempo passe, por muitos anos que se dissipem, nunca vão desaparecer… antes disso vão ser sempre relembrados com extrema doçura… “iiiih… lembras-te daquela vez??"

terça-feira, maio 16, 2006

Bem mais que um filme: uma dura descrição da realidade adoçicada por momentos tocantes; uma série de momentos tanto perturbadores como emocionantes que nos transportam por completo para dentro das cenas; uma colectânea de excelentes actores que fazem deste filme, um extracto da realidade, um pedaço das nossas vidas.
Pessoas como nós. Que riem, que choram, que erram...e que tentam a todo custo pagar pelos seus erros, pelos estragos causados. Vemo-nos neste filme, identificamo-nos com cada pequena característica das personagens.
Para mim, todos os filmes têm uma mensagem. Este não é excepção: tocar a alma, desafiar o poder dos sentimentos, é meio caminho andado para a compreensão.

Vocês não detestam aquele quadro em que um homem está de costas a olhar para um espelho e em vez de se ver a sua cara reflectida, vê-se as suas costas?? Não me perguntem porquê mas acho que tem qualquer coisa de sinistro...Aliás, pensando bem, até acho que consigo entender porque é que me mete um certo "medo". É aquela técnica clássica dos filmes de terror: quando algo que estamos habituados a ver no nosso dia-a-dia (neste caso o nosso reflexo no espelho) se transforma completamente. Há ainda uma explicação mais filosófica para este medo: o não reconhecimento do nosso próprio ser...será que nos conhecemos por completo, a nós mesmos? Tudo o que somos capazes, os nossos desejos? hmm..esta foi profunda!!! Mas as respotas ficam para outro dia... Este quadro é tal como aquele filme: "o porquinho Babe". Ainda agora me mete impressão. Esse filme devia ter bolinha.
E nasceu o blog. Mais do que nunca fundado na esperança, banhado de alegria, respingado de sorrisos. Os pensamentos, tormentos e ilusões todos eles diluídos nas palavras, que passam tudo com outra intensidade. Já pensaram que as palavras não impõem limites? Baseiam-se na rebeldia de deixar o leitor ter a sua interpretação da tese exposta ou então de lhe dar asas à imaginação e transportá-lo para outro mundo, concerteza melhor.
Podem descrever, podem dramatizar, transpor para o romantismo ou arrancar-nos da realidade, mas acima de tudo, estas (aparentemente) inocentes, frágeis palavras, devidamente encaminhadas do fundo do coração, podem mobilizar pessoas, até o mundo.