segunda-feira, setembro 29, 2008

Só conseguia olhar para as pernas dobradas em tom de desistência e sentir os pés enregelados, mergulhados na poça de água mesmo colada ao passeio. As lágrimas escorriam sozinhas, abandonadas por qualquer sentimento, pensamento ou emoção. Elas escorriam por uma dor interior horrível e acima de tudo inegável. Ouvia a mesma canção dentro de mim outra e outra vez e aquele vazio enorme inundava-me a alma deixando-me com a mesma sensação de que já nada importa. Tristeza. Falar de estar triste e não estar realmente, no verdadeiro sentido da palavra, acontece frequentemente. Mas agora sabia: isto é que era sentir tristeza. Sentir o corpo abandonado pela alma, as forças a esvaírem-se, um sofrimento de certa maneira doce, poético. Olhar para os candeeiros de luz forte, ouvir os barulhos da rua, ver as pessoas a passar e sentir que esse mundo é um mundo à parte, uma espécie de pano de fundo (na cena errada).
Ouvi uns passos, um corpo quente a aproximar-se e presumi que fosse ele. Fui pensando no que ia dizer, de que maneira iria agir, qual seria a expressão na minha cara quando o seu olhar doce e calmo estivesse frente a frente ao meu. No fundo, o que iria fazer para disfarçar a confusão imensa que pairava dentro de mim, afirmando-me tão decidida e forte, exactamente como ele me vê. Desesperei. Deixei escapar novamente lágrimas gordas apesar de estar a fazer a maior força possível para as reprimir. Não conseguia pensar, nem raciocinar, só sentir a chuva forte a cair sobre o meu corpo pesado e novamente, os pés enregelados. “Assim não dá, assim não vai dar certo. Tenho de dizer as palavras certas, tenho de exprimir as emoções adequadas, tenho de agir de modo acertado. Tenho que fazer, agir e conseguir. Desta vez tem que ser. Tenho que conseguir levar até ao fim e fazer com que dê certo. A quem quero eu enganar? Nunca dá certo!!” E foram-se sucedendo uma série de palavras aleatórias, um discurso desorganizado, um raciocínio, que não sei ao certo até que ponto se lhe pode dar tal nome, de tão confuso que se afigurava. E de repente o tempo parou. E o coração também. Por esta altura, não sei dizer se estou a respirar ou não. Só consigo sentir a força da sua mão no meu ombro. “Estás bem?” – disse-me ele. “Não. Mas vou ficar.”

terça-feira, setembro 16, 2008

crise

A palavra crise, numa língua oriental (japonês, creio), é constituída por dois símbolos distintos. Um significa perigo e o outro oportunidade. Pode parecer um cliché comum e batido mas a verdade é que achei bastante curiosa esta minha descoberta. No meio de toda a confusão, de todo o caos, quando pensamos que tudo está perdido (e tantas vezes, de facto, está), no meio de todo o sofrimento, dor e mágoa, existe uma saída. Porque o que não nos mata torna-nos mesmo mais fortes. Nasce assim, inadvertidamente, uma oportunidade de procurar novas situações e experiências, de viver intensamente e com muita paixão. É que em todo o caos, em toda a confusão existe sempre uma oportunidade de passar para um patamar melhor, e está mesmo à nossa frente. Falta olhar com atenção, agarrá-la com garra, sorrir-lhe com carinho e finalmente abraçá-la com muita, muita esperança.

quarta-feira, setembro 10, 2008

um

Faz hoje um ano que eles aterraram cá, as nossas bolinhas. É estranho agora chamar-lhes bolinhas porque já nada têm de pequenino: já se mexem (até demais), já tentam simular conversas, pegam em tudo o que lhes aparece à frente, observam em seu redor com uma atenção incrível, como se ainda estivessem surpreendidos com a quantidade de coisas, cores e feitios que existem.
Eles imitam-nos, reagem à nossa voz, gestos e expressões. Já fazem birra quando estão chateados, já dão gargalhadas quando acham piada a alguma coisa. Já sabem brincar, puxar, mexer, largar, agarrar, gatinhar. Se antes eram bebés, que só choravam, comiam e dormiam, agora estão, a passinhos pequeninos, a tornar-se "alguém". Quando estamos todos juntos, vejo a evolução, vejo momentos, pedaços de vida. Vejo uma série de imagens, sons e cores carregados de emoção. Vejo uma ligação semelhante à que tenho com os meus pais e irmãos. E só posso ficar feliz.
Vão-se ligando a nós e nós deixamos, meios distraídos. Que passem muitos anos (com a devida calma), queridos bolinhas. Queremos (tanto) ver-vos crescer.

domingo, setembro 07, 2008

Ás vezes imagino-me a viver a vida dos outros. Não de pessoas com as quais convivo diariamente, mas sim pessoas imaginadas (perfeitas na sua definição: contornadas delicadamente por pormenores específicos). Vivo fragmentos das suas vidas e tantas vezes apodero-me da sua essência, talvez por mera distracção ou pura inveja. Imagino-me a ser, sentir e agir de forma completamente diferente. Afasto-me daquilo que sou e tento-me aproximar de uma realidade confusa que, apesar de distante se assemelha mais fácil de enfrentar.Agora que reflicto melhor sobre o verdadeiro significado destas frequentes divagações, acabo por lhes tirar um sentido menos positivo. Afinal apodero-me de vidas, de diferentes personalidades,de qualidades e defeitos porque...não sei, nem quero saber, o que se passa cá dentro. É (será?) melhor assim.

«"conhece-te a ti mesmo", o que, pelo menos no meu caso, constitui um péssimo conselho. Conheço-me apenas de vista, e já é bom. Um conhecimento profundo obrigaria a uma convivência mais intensa, e eu não me dou com gente desta.»
"Opinião/Boca do Inferno" por Ricardo Araújo Pereira in Visão